Acidentes com escorpiões

Instituto Arlindo Gusmão de Fontes (IAGF) – Rafael Bombein (CREF 016866/SP) – 21/01/2024

O número de acidentes com escorpiões tem crescido; no estado de SP foram registrados mais de 24 mil casos nos primeiros sete meses do ano de 2023.

Os acidentes com escorpiões aumentaram em diversos estados brasileiros em 2023. Só em São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde registrou 24,2 mil casos até julho de 2023 – um número 13% maior que o do mesmo período de 2022. A expansão urbana e as altas temperaturas são algumas das razões para o crescente aparecimento do animal nas cidades, mas existem cuidados específicos que podem ajudar a evitar o indesejado encontro com o aracnídeo no quintal de casa e até mesmo em ambientes internos.

Os escorpiões preferem locais quentes e úmidos e necessitam de quatro elementos para sobreviver em qualquer terreno: alimento, água, abrigo e acesso. O lixo, por exemplo, atrai baratas, que servem de alimentação para os aracnídeos. Para a moradia e acesso, eles procuram entulhos e se infiltram em redes de esgoto, tubulações de água e de energia, que são ambientes mais escuros e úmidos.

Esses animais desempenham papel importante no equilíbrio ecológico como predadores de outros seres vivos, devendo ser preservados na natureza. Já nas áreas urbanas, medidas devem ser adotadas para que seja evitada a sua proliferação, por meio de ações de controle, captura (busca ativa) e manejo ambiental.

O Brasil abriga quatro espécies de escorpiões que são consideradas de interesse médico e registram a maior quantidade de acidentes. O escorpião-preto-da-Amazônia (Tityus obscurus), comum na região Norte e no estado do Mato Grosso; o escorpião-amarelo-do-Nordeste (Tityus stigmurus), que também tem aparecido nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Tocantins; o escorpião-marrom (Tityus bahiensis), frequente nas regiões do Centro-Oeste, Sudeste e Sul; e o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), com ocorrência em todas as regiões do país, mas ainda restrito em Tocantins.

O manejo do animal não é recomendado justamente por conta do risco de acidentes. Por isso, ao encontrar um escorpião em casa, é preciso se precaver antes de tomar qualquer atitude. Basicamente, é importante usar luvas de vaqueta – material produzido a partir do couro de gado bovino – ou em raspa de couro, botas ou sapatos fechados feitos de materiais mais resistentes, como couro, e até mesmo perneiras, em caso de ambientes infestados. É importante destacar que a luva de borracha e sapatos de pano são frágeis, e a picada ultrapassa esses materiais.

“As pessoas nunca devem manusear os escorpiões. Caso seja necessário, o bicho deve ser manuseado com um graveto longo ou pinça anatômica de 30 centímetros para empurrá-lo para dentro de um frasco. Em seguida, o escorpião deve ser levado ao Centro de Controle de Zoonoses do município”, explica a bióloga e assistente técnica de pesquisa científica e tecnológica do Biotério de Artrópodes do Instituto Butantan, Denise Maria Candido.

EVITANDO O APARECIMENTO DE ESCORPIÕES

Para afastar escorpiões, é importante cuidar dos ambientes residenciais, seja casa ou apartamento, mantendo-os limpos e sem acúmulo de lixo, entulho, folhas secas e materiais de construção. Qualquer buraco no chão ou na parede pode ser um bom esconderijo, e até mesmo roupas sujas ou molhadas espalhadas pelo chão podem servir de abrigo para os aracnídeos.

Esses animais têm hábitos noturnos e dificilmente aparecem durante o dia, o que torna mais difícil encontrá-los. “O escorpião é um bicho que não ataca. Na verdade, ele se defende se uma pessoa colocar a mão ou pisar. O instinto dele é fugir em caso de ameaça”, complementa Denise.

DICAS PARA EVITAR O APARECIMENTO DE ESCORPIÕES:

  • Mantenha o lixo bem acondicionado para evitar a proliferação de insetos, que servem de alimento para escorpiões;
  • Deixe o quintal e o jardim limpos, sem acúmulo de entulhos, folhas secas, lixo doméstico e materiais de construção;
  • Evite que folhagens densas, como trepadeiras, arbustos ou plantas ornamentais, encostem em paredes e muros;
  • Vede bem as portas com soleiras ou saquinhos de areia;
  • Use telas nas janelas;
  • Mantenha os rodapés íntegros e pregados na parede;
  • Vede todos os ralos com tapete de borracha ou use os modelos de abre e fecha;
  • Não deixe roupas sujas ou molhadas no chão;
  • Ao colocar um sapato, chacoalhe antes para evitar surpresas;
  • Não deixe camas e móveis encostados na parede;
  • Não deixe roupas de cama e mosquiteiros encostadas no chão;
  • Mantenha todos os buracos nas paredes, como espelhos de tomadas, cabos e caixas de luz fechados.

TEMPORADA DE ESCORPIÕES

Nos meses com temperaturas mais altas os escorpiões aparecem com mais frequência, de setembro até fevereiro, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Os estados do Norte e Nordeste, que são predominantemente mais quentes, costumam ter incidência do bicho durante o ano todo.

A rápida reprodução dos animais também é um ponto de atenção, já que conseguem gerar entre 20 e 25 filhotes por gestação, que acontece até duas vezes por ano em um período de quatro anos de vida, em média. As espécies fêmeas de escorpião-amarelo e escorpião-amarelo-do-Nordeste têm reprodução por partenogênese, ou seja, elas não precisam acasalar para dar cria.

O QUE FAZER EM CASO DE PICADA

Os acidentes com escorpiões podem ser leves, moderados ou graves. Nas pessoas, o veneno é capaz de afetar o sistema nervoso e causa muita dor no local da picada, podendo se estender para o membro inteiro. As dores acontecem imediatamente após o ataque. Nos casos moderados, os sintomas podem evoluir para suor excessivo, vômito e taquicardia. Nos acidentes graves, além da dor intensa, pode acontecer salivação, insuficiência cardíaca, edema pulmonar e até mesmo a morte.

Denise explica que, após a picada, a primeira coisa a se fazer é lavar o local com água e sabão e fazer uma compressa de água quente para aliviar a dor. Logo depois, é importante buscar o apoio do atendimento médico. A lista das unidades de saúde referência para acidentes com animais peçonhentos pode ser conferida no site do Ministério da Saúde.

Os casos leves e moderados podem ser tratados com o uso de infiltração de anestésico. Se for necessário, o médico pode utilizar o soro antiaracnídico e antiescorpiônico, fabricados pelo Butantan. É importante lembrar que o médico é a única pessoa capacitada para definir a gravidade do acidente e a necessidade da utilização do soro. O Instituto Butantã, possui um hospital especializado no atendimento a envenenamentos por animais peçonhentos, o Hospital Vital Brazil, localizado dentro do Parque da Ciência, na cidade de São Paulo.

QUADRO CLÍNICO

Manifestação Local:

A dor local, uma constante no escorpionismo, é de intensidade variável, desde leve até muito intensa, às vezes insuportável, manifestando-se sob a forma de ardor, queimação ou agulhada podendo ser acompanhada de parestesia. Pode irradiar-se até a raiz do membro picado, exacerbando-se à palpação da região acometida. No local da picada pode-se observar hiperemia, às vezes discreto edema, sudorese, frialdade, fasciculação, piloereção e geralmente o ponto da inoculação não é visualizado. A dor ocorre imediatamente após a picada, o que faz com que o paciente procure rapidamente atendimento médico.

 Manifestações sistêmicas:

São decorrentes dos efeitos colinérgicos e adrenérgicos desencadeados pelo veneno. De acordo com a intensidade dos sintomas apresentados pelos pacientes.

Em um intervalo de tempo não definido (que varia de minutos à uma hora e meia), podem ocorrer acometimento clínico sistêmico (principalmente em crianças até 10 anos), como sudorese profusa, agitação psicomotora, tremores, náuseas, vômitos, sialorreia, hiper ou hipotensão arterial, arritmia cardíaca, insuficiência cardíaca congestiva, edema pulmonar e choque. Crianças é o grupo de maior suscetibilidade ao envenenamento sistêmico grave.

CLASSIFICAÇÃO DO ESCORPIONISMO

ESCORPIONISMO é o envenenamento provocado quando um escorpião injeta veneno através de ferrão.

 AUSÊNCIA DE SINAIS E SINTOMAS (Sem Clínica): mediante a ocorrência de “picada seca”, onde há a picada, mas não a inoculação do veneno.

 LEVE – Está praticamente restrito ao quadro local, que geralmente cursa com dor de moderada a forte intensidade, frequentemente irradiada, podendo ser acompanhada de parestesia, eritema, edema discreto e sudorese; as marcas do local da picada podem ser imperceptíveis. Além das manifestações locais, manifestações sistêmicas isoladas como discreta taquicardia e agitação podem ocorrer, e estão relacionadas à dor e ansiedade.

 MODERADO – Além do quadro doloroso local e agitação, estão presentes algumas manifestações sistêmicas de pequena intensidade como episódios esporádicos de vômitos, sudorese discreta, taquicardia, taquipneia e hipertensão leves.

ATENÇÃO!

O primeiro vômito no grupo de risco já caracteriza a necessidade urgente do uso do soroantiveneno, pois depreende o efeito sistêmico do veneno escorpiônico. Nos demais pacientes o quadro ainda deve ser considerado leve, devendo-se tratar a dor e reavaliando-se.

 GRAVE – As manifestações são intensas e evidentes: náuseas e vômitos profusos e frequentes (sintoma importante, sinal premonitório sensível que anuncia a gravidade do envenenamento), sialorreia, sudorese profusa, hipotermia, palidez cutânea, tremores, agitação alternada com prostração (estado de fraqueza extrema, cansaço e falta de energia), hipotensão (queda da pressão arterial) ou hipertensão arterial (aumento da pressão arterial) , taquicardia (aumento da frequência cardíaca) ou bradicardia (diminuição da frequência cardíaca); o quadro pode evoluir para arritmias cardíacas graves, insuficiência cardíaca, edema pulmonar (EPA), manifestações de hipóxia acentuada como a presença de extremidades frias e pálidas que podem evoluir para choque e óbito.  No caso grave, o paciente pode não referir dor, pois esta fica mascarada devido às manifestações de gravidade, porém a dor reaparece após a melhora clínica do paciente. 

A gravidade do envenenamento geralmente se manifesta dentro das duas primeiras horas do acidente, ou seja, o paciente grave já começa grave desde o início, apresentando precocemente alguns episódios de vômitos que podem evoluir rapidamente para vários episódios. O paciente pode procurar assistência médica imediatamente após o acidente, sem queixa alguma além da dor, e começar a apresentar manifestações sistêmicas a seguir, durante a consulta médica. 

 A gravidade depende de fatores como a espécie e tamanho do escorpião, quantidade de veneno inoculado, idade ou tamanho do paciente, sendo as crianças até 10 anos o grupo mais vulnerável (grupo de risco). Os idosos, por já apresentarem hipertensão arterial ou mesmo alguma patologia cardíaca, muitas vezes recebem soro desnecessariamente, porém sempre devem ser avaliados cuidadosamente. 

O diagnóstico precoce, o tempo decorrido entre o acidente, a aplicação do soro específico e a manutenção das funções vitais influem na evolução e prognóstico do paciente.

SERVIÇO DE SAÚDE PARA ATENDIMENTO MÉDICO DE ACIDENTE POR ESCORPIÃO

Para crianças até 10 anos: 

Deve-se procurar o mais rapidamente possível a Unidade de Referência para o atendimento de acidente com escorpião (ponto estratégico), que terá equipe médica preparada e o soro antiescorpiônico (o serviço de saúde deve ter conhecimento da sua unidade de referência, bem como, do plano de ação para atendimento às vítimas de escorpionismo da sua região de saúde).

 ATENÇÃO!

O serviço de saúde deve orientar a população, diante de escorpionismo no grupo de risco, a procurar imediatamente o Ponto Estratégico de Referência. No entanto, cada unidade/profissional tem autonomia para avaliar cada situação, ponderando os agravantes e limitantes, podendo assim, também orientar que se procure pelo atendimento médico mais próximo, de preferência um pronto atendimento, pronto socorro ou hospital;

Para os demais pacientes: 

Deve-se procurar o mais rapidamente possível o serviço de saúde mais próximo, preferencialmente um pronto atendimento, pronto socorro ou hospital (essas unidades devem estar preparadas para transferir o paciente para o Ponto Estratégico ou para a UTI, caso seja necessário).

Veja aqui as unidades de referência para atendimento/soroterapia antiescorpiônica ao acidentado por escorpião no Estado de São Paulo:

http://www.saude.sp.gov.br/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica-prof.-alexandre-vranjac/unidades-referencia/acidentes-por-animais-peconhentos-unidades-de-atendimento


Referencias

https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/veja-dicas-do-butantan-para-prevenir-o-aparecimento-de-escorpioes-em-casa/

https://www.saude.sp.gov.br/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica-prof.-alexandre-vranjac/areas-de-vigilancia/doencas-de-transmissao-por-vetores-e-zoonoses/agravos/animais-peconhentos/escorpioes/sobre-acidentes-por-escorpioes


Para saber mais;

ESCORPIÕES, OS RESILIENTES

Neste vídeo, você vai entender por que resolvemos chamá-los “resilientes”. Resilientes no sentido de conseguirem superar adversidades e desventuras; Instituto Butantan; 29 de nov. de 2019.

COMO EVITAR ACIDENTES COM ESCORPIÃO

Neste vídeo, vamos contar como esses aracnídeos conseguem alcançar as alturas e o que você pode fazer para evitar o trágico encontro; Instituto Butantan; 22 de abr. de 2020.

O QUE VOCÊ PRECISA SABER PARA CAPTURAR ESCORPIÕES

Neste vídeo, o biólogo Alexandre Veloso Ribeiro, do Instituto Butantan, fala sobre os cuidados que se deve ter na hora de coletar escorpiões, seja para o controle dos bichos, seja para pesquisa; Instituto Butantan; 21 de mai. de 2020.