O perigo da dengue nos períodos de calor

Instituto Arlindo Gusmão de Fontes (IAGF) – Rafael Bombein (CREF 016866/SP) – 20/01/2025

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A chegada do período de calor e chuvas em boa parte do Brasil acende o alerta para o início da temporada de arboviroses – doenças causadas por vírus que são transmitidas, principalmente, por mosquitos –, uma vez que a umidade combinada às altas temperaturas torna o ambiente mais propício à reprodução de insetos. Esse é o caso da dengue: transmitida pelo Aedes aegypti, a doença bateu recordes históricos no país em 2024. Até o fim do ano passado, foram mais de 6,5 milhões de casos prováveis e quase seis mil óbitos confirmados, segundo o Ministério da Saúde, e o prospecto para este ano de 2025 não deverá ser muito diferente.  

“Os efeitos das mudanças climáticas ainda têm potencial para se acentuar, o que pode contribuir para que o mosquito se alastre para diferentes partes do território, como vimos acontecer na região Sul do país”, explica o gestor médico de Desenvolvimento Clínico do Butantan Eolo Morandi Junior. Outro fator é que a volta de sorotipos da doença que já não circulavam há anos no Brasil – como os 3 e 4, que não apareciam desde 2003 e 2013, respectivamente – pode se tornar um risco latente, com potencial para provocar novos picos de casos.

AVANÇO DA DENGUE

Se até meados da década de 2010 os grandes surtos de dengue ficavam mais restritos às cidades e estados litorâneos, os dados de 2024 do Ministério da Saúde mostram uma alteração de padrão: Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Goiás lideram o ranking de maior incidência de casos por 100 mil habitantes no ano, confirmando o espalhamento do vetor para locais onde antes a doença não era tão comum.  

Um estudo do Observatório de Clima e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), confirmou que a dengue vem se alastrando para o Sul e o Centro-Oeste do Brasil. Os dados apontam que os mapas de ondas de calor e de anomalias de temperatura coincidem com as áreas de maior incidência da enfermidade nas regiões nos dois últimos anos.  

“Desde 2023, temos vivenciado ondas de calor mais frequentes e chuvas mais intensas, sendo boa parte delas influenciadas pela ação do El Niño. Diferentemente do que acontecia no passado, o fenômeno climático tem se tornado mais corriqueiro e duradouro, e a tendência é que esse padrão continue”, observa Eolo Morandi Junior. As temperaturas mais altas permitem que o mosquito se reproduza com rapidez, o que, consequentemente, aumenta sua população. 

Um estudo recente publicado na revista PLOS Neglected e conduzido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) em parceria com outras instituições nacionais e internacionais detectou que a ocorrência do fenômeno El Niño – quando a temperatura supera os 23,3° C e o volume de chuvas excede os 153 milímetros – aumenta a infestação de mosquitos da dengue

Temporais e enchentes, como os que assolaram a maioria dos municípios do Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio de 2024, também contribuem para a formação de novos criadouros para o Aedes aegypti devido ao alto volume de água acumulada. Em relação ao ano de 2023, os números de casos prováveis de dengue no estado da região Sul saltaram de 38 mil para 205 mil, enquanto os de óbitos foram de 54 para 281.

TRANSMISSÃO DA DENGUE 

A dengue é transmitida pela picada de um mosquito infectado. É uma doença que afeta pessoas de todas as idades, com sintomas que incluem febre baixa ou alta, acompanhada de forte dor de cabeça, dor retro-ocular (atrás dos olhos), mialgias e artralgias e exantema. A doença pode progredir para formas graves, caracterizadas principalmente por choque, dificuldade respiratória e/ou comprometimento orgânico grave. A dengue tem comportamento sazonal, ou seja, no Hemisfério Sul a maioria dos casos ocorre durante o primeiro semestre do ano, porém, no Hemisfério Norte os casos ocorrem principalmente no segundo semestre. Esse padrão de comportamento corresponde aos meses mais quentes e chuvosos.

Nas Américas, o principal vetor responsável pela transmissão da dengue é o mosquito Aedes aegypti.

SOBRE A DENGUE

  • É transmitida pela picada de um mosquito infectado com um dos quatro sorotipos do vírus da dengue.
  • É uma doença febril que afeta bebês, crianças e adultos. A infecção pode ser assintomática ou pode apresentar sintomas que variam de febre baixa a febre alta incapacitante, com forte dor de cabeça, dor atrás dos olhos, dores musculares e nas articulações e erupções cutâneas. A doença pode progredir para dengue grave, caracterizada por choque, falta de ar, sangramento intenso e/ou complicações graves nos órgãos.
  • Não existe um medicamento específico para tratar a dengue.
  • A doença tem um padrão sazonal: a maioria dos casos no hemisfério sul ocorre na primeira parte do ano e a maioria dos casos no hemisfério norte ocorre na segunda metade.
  • A prevenção e o controle da dengue devem ser intersetoriais e envolver a família e a comunidade.

SOBRE O MOSQUITO Aedes aegypti  

Aedes aegypti é o vetor que apresenta o maior risco de transmissão de arbovírus nas Américas e está presente em quase todos os países do hemisfério (exceto Canadá e Chile continental). É um mosquito doméstico (que vive dentro e perto das casas) que se reproduz em qualquer recipiente artificial ou natural que contenha água parada.

O mosquito pode completar seu ciclo de vida, do ovo ao adulto, entre 7 e 10 dias; os mosquitos adultos geralmente vivem de 4 a 6 semanas. A fêmea Aedes aegypti é responsável pela transmissão de doenças porque necessita de sangue humano para o desenvolvimento de seus ovos e para seu metabolismo. O macho não se alimenta de sangue.

O mosquito é mais ativo no início da manhã e ao anoitecer, fazendo com que esses sejam os períodos de maior risco de picadas. No entanto, as fêmeas, que precisam continuar se alimentando, buscarão uma fonte de sangue em outros momentos. A fêmea Aedes aegypti se alimenta a cada 3-4 dias; no entanto, se eles não conseguem tirar sangue suficiente, eles continuam a se alimentar a cada momento que podem.

O Aedes aegypti prefere colocar seus ovos em recipientes artificiais contendo água (principalmente tambores, barris e pneus) dentro e ao redor de casas, escolas e locais de trabalho. Ovos de Aedes aegypti podem resistir a condições ambientais secas por mais de um ano: na verdade, esta é uma das estratégias mais importantes que a espécie emprega para sobreviver e se espalhar.

Para eliminar os mosquitos, são recomendadas as seguintes ações: 

  • Evite deixar água parada em recipientes ao ar livre (potes, garrafas ou outros recipientes que possam coletar água) para que não se tornem criadouros de mosquitos; 
  • Cubra adequadamente os tanques e reservatórios de água para manter os mosquitos afastados; e evite acumular lixo, jogando-o fora em sacos plásticos fechados.

SINTOMAS E SINAIS DE ALERTA 

Em um primeiro momento, a infecção por dengue apresenta manifestações bastante inespecíficas e baixo potencial de complicações, como febre pouco acima de 38°C, dores de cabeça, no fundo dos olhos e no corpo e quedas de pressão. Também pode ocorrer quadro de exantema, caracterizado por vermelhidão e coceira pelo corpo.

Isso acontece porque o organismo tende a apresentar uma resposta inflamatória bastante expressiva diante da presença do vírus, desequilibrando o funcionamento do sistema circulatório: os vasos sanguíneos ficam mais dilatados e pode acontecer uma espécie de “vazamento de água” do sangue e de outros fluidos corporais, o que leva à desidratação. Casos mais graves envolvem dor abdominal intensa, sangramentos difusos (que podem aparecer no vômito ou nas fezes) e o surgimento de pequenas pintinhas vermelhas conhecidas como petéquias.

“Os sintomas das arboviroses (doenças causadas por vírus transmitidos por artrópodes, como insetos e aracnídeos) costumam ser bem parecidos. Por isso, diante de qualquer suspeita de infecção, o paciente deve procurar um serviço de saúde para receber o diagnóstico correto, assim como as orientações de cuidado e tratamento. No caso da dengue, é imprescindível evitar a automedicação e reforçar a hidratação”, pontua gestor médico de Desenvolvimento Clínico do Butantan Eolo Morandi Junior.

O diagnóstico da doença se dá por teste do tipo RT-PCR, uma vez que os sintomas tenham começado em um intervalo de um a cinco dias. Passado esse período, o rastreio é feito por teste sorológico, capaz de identificar a presença dos anticorpos produzidos pelo organismo para combater o vírus invasor.

De acordo com o Dr. Eolo, garantir que a confirmação da enfermidade seja feita por um serviço de saúde é essencial para a correta notificação da vigilância epidemiológica, responsável por promover o mapeamento detalhado do vírus em todo o território nacional. “Trata-se de um trabalho essencial, que irá garantir o desenvolvimento de melhores políticas públicas de saúde, como cuidados específicos para o combate do vetor, busca ativa de diagnóstico e monitoramento de gravidades.”

Quando a situação epidemiológica se agrava, como aconteceu com a dengue no primeiro semestre de 2024, a vacinação é a melhor estratégia de prevenção. Há mais de uma década o Instituto Butantan vem dedicando esforços para o desenvolvimento de um imunizante capaz de agir contra os quatro sorotipos da doença, que se encontra em fase final de verificação regulatória. “Todos os questionamentos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) têm sido prontamente respondidos. A expectativa é que, em breve, a população brasileira possa contar com um reforço de peso no combate contra a dengue”, conclui Dr. Eolo.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, FASES E CLASSIFICAÇÃO DA DENGUE

FASE FEBRIL

Os pacientes desenvolvem febre alta de início repentino. Essa fase febril dura de 2 a 7 dias e geralmente é acompanhada de vermelhidão facial, exantema, dor corporal generalizada, mialgias (dores musculares), artralgias (dores articulares), cefaleia e dor atrás dos olhos (retro-ocular). Podem ocorrer manifestações hemorrágicas menores, como petéquias (pequenos sangramentos que se parece uma cabeça de alfinete) e equimoses (manchas roxas) na pele. Pacientes que melhoram após o desaparecimento da febre são considerados casos de dengue sem sinais de gravidade.

Problemas que podem ocorrer na fase febril: desidratação; A febre alta pode estar associada a distúrbios neurológicos e convulsões em crianças pequenas. 

FASE CRÍTICA

Próximo ao desaparecimento ou diminuição da febre, quando a temperatura cai para 37,5 graus Celsius ou menos e permanece abaixo desse nível, isso ocorre geralmente nos primeiros 3 a 7 dias da doença, a permeabilidade capilar pode aumentar. Paralelamente aos níveis de hematócrito podem se elevar ou surgirem os sintomas indicativos de sinais de alarme. Isto marca o início da fase crítica. Pacientes que pioram com a queda da febre e apresentam sinais de alarme são considerados casos de dengue com sinais de alarme.

Problemas que podem ocorrer durante a fase crítica: choque por extravasamento de plasma; hemorragias graves, envolvimento grave de órgãos, ou seja, falência orgânica.

FASE DE RECUPERAÇÃO

Quando o paciente sobrevive à fase crítica (que não ultrapassa 48 a 72 horas), ele passa para a fase de recuperação. Há melhora do estado geral, recuperação do apetite, melhora dos sintomas gastrointestinais, estabilização do estado hemodinâmico e aumento da diurese. 

Problemas que podem ocorrer na fase de recuperação: hipervolemia (se o uso de líquidos intravenosos tiver sido excessivo ou prolongado neste período). 

CLASSIFICAÇÃO REVISADA DA DENGUE 

A classificação recomendada pela Organização Mundial da Saúde em 2009 é a chamada classificação revisada, que surgiu a partir dos resultados da DENCO, que incluiu quase 2.000 casos confirmados de dengue em oito países e dois continentes e estabelece duas formas para classificar a doença; dengue e dengue grave.

Diagrama revisado de classificação da dengue. A chamada dengue com sinais de alarme faz parte da forma dengue, mas é descrita separadamente por que seu conhecimento é de extrema importância para decidir condutas terapêuticas e prevenir – na medida do possível – a dengue grave.

  • Dengue sem sinais de alarme: a doença pode se manifestar como uma “síndrome febril inespecífica”. A presença de outros casos confirmados no ambiente ao qual o paciente pertence é decisiva para a suspeita do diagnóstico clínico de dengue.
  • Dengue com sinais de alarme: O paciente pode apresentar: dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos, sangramento de mucosas, alteração do estado de consciência, hepatomegalia e aumento progressivo do hematócrito.
  • Dengue grave: As formas graves de dengue são definidas por um ou mais dos seguintes: 
  • Choque por extravasamento de plasma, acúmulo de líquido com dificuldade respiratória, ou ambos;
  •  Sangramento profuso considerado clinicamente importante pelos médicos responsáveis pelo tratamento, ou
  •  Envolvimento grave de órgãos. fígado: AST ou ALT ≥ 1000; SNC: alteração da consciência, que inclui o coração e outros órgãos.

DÚVIDAS COMUNS SOBRE A DENGUE

Dengue só existe no verão?

Falso. As altas temperaturas combinadas com chuvas frequentes, como acontece no verão, realmente favorecem a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, ocorrendo um aumento significativo de casos no período de outubro a maio.

Porém, isso não impede a contaminação em outras estações do ano, inclusive as mais frias. Por exemplo, os ovos se tornam resistentes à dessecação e podem sobreviver por períodos que vão de vários meses até mais de um ano (diapausa). Dessa forma, com a elevação de temperatura no inverno e chuvas, em vida latente, as larvas poderão emergir a qualquer momento em que os ovos forem colocados em contato com a água desde que esta contenha o estímulo necessário para fazê-los eclodir.

Após completar o ciclo de vida até a fase adulta, o mosquito pode iniciar uma nova infestação. Se uma fêmea picar uma pessoa infectada com o vírus da dengue, ela pode se contaminar e iniciar a cadeia de transmissão da doença para outras pessoas ao picá-las.

Se uma pessoa pegar dengue pela segunda vez já é hemorrágica?

Falso. O risco de desenvolver quadros mais graves em uma segunda infecção é real, mas não é a regra. Esse cenário de alerta também pode ocorrer já na primeira contaminação. Vale ressaltar que, por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo dengue hemorrágica não é mais utilizado, tendo sido substituído pelos termos dengue grave e dengue com sinais de alarme.

Há quatro tipos de sorotipos do vírus da dengue. Isso significa que se uma pessoa foi infectada por um dos tipos existentes, ela ainda pode ser reinfectada pelas outras três variantes com as quais ela não teve contato. Por isso, todo cuidado é pouco.

A dengue pode ser transmitida de pessoa para pessoa?

Falso. Apesar de ser um vírus, a dengue não é transmitida pelo ar ou pelo contato com uma pessoa infectada. A única forma de transmissão da doença é por meio da picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti.

A vacina é a única forma de proteção contra a doença?

Falso. O combate aos criadouros do mosquito é a principal forma de prevenção da dengue e das demais arboviroses transmitidas pelo mosquito, como Zika e Chikungunya.

Eliminar os focos de proliferação do mosquito (locais que permitem o acúmulo de água parada, como caixas-d’água, vasos de plantas, lixo, pneus, tampinhas de garrafa, entre outras) é a ação mais importante de combate. É importante lembrar que a participação da população é fundamental, já que grande parte dos focos do mosquito estão dentro das casas das pessoas. Os cuidados devem ser realizados ao longo de todo o ano e não apenas no verão.

O uso de repelentes, mosquiteiros e de roupas que protegem as pernas e os braços também fazem parte das orientações de proteção contra a dengue. E lembre-se: receba os agentes Comunitários de Saúde e de Controle de Endemias que trabalham em sua cidade.

Piscinas são criadouros do mosquito transmissor da dengue?

Falso, mas é preciso explicar. Se a água da piscina estiver com o tratamento em dia e com a concentração de cloro recomendada, o mosquito não consegue se reproduzir. Entretanto, se a piscina não estiver com a manutenção adequada, o Aedes aegypti pode sim se reproduzir no local.

As larvas passam a maior parte do tempo alimentando-se de detritos orgânicos animais ou vegetais, bactérias, fungos e protozoários existentes na água, mas não toleram elevadas concentrações de matéria orgânica. A água salgada e a água com elevada concentração de cloro servem como repelentes contra o mosquito, tornando o ambiente difícil para reprodução.

Ar-condicionado e ventilador protegem contra o mosquito?

Falso. Os aparelhos podem até inibir a atividade do mosquito da dengue, mas não impedem que ele permaneça no ambiente e pique uma pessoa.

O que ocorre é que o ar-condicionado mantém o ambiente frio e fechado e o ventilador dificulta a aproximação do bicho por causa do vento, mas as medidas são temporárias e não garantem proteção contra o mosquito.

Ter uma boa alimentação aumenta a imunidade contra a dengue?

Falso. Uma boa alimentação aumenta a imunidade, por ser um passo fundamental para manter o organismo saudável e ajudar o sistema imunológico a ficar mais resistente. Mesmo assim, isso não impede o indivíduo de ser picado pelo mosquito e contrair a doença.

É possível uma pessoa contrair dengue e outras doenças ao mesmo tempo, como Zika vírus e Chikungunya?

Verdadeiro. O Aedes aegypti pode transmitir a dengue, a Zika e a Chikungunya ao mesmo tempo. De acordo com um estudo da Universidade do Colorado (EUA), realizado em 2017, é possível uma pessoa contrair em uma única picada as três doenças.